Hans Christian Andersen – Uma viagem a Portugal
Está patente na Torre do Tombo, em Lisboa, até dia 26 de outubro a exposição Hans
Christian Andersen, uma iniciativa
particular concebida pelo designer dinamarquês Sr. Niels Fischer com o objetivo
de divulgar o escritor Hans Christian Andersen, na sua forma mais original e
generosa.
A
edição da exposição Hans Christian Andersen será associada a alguns
documentos de arquivo da época em que Andersen visitou Portugal (1866).
Com
cerca de 50 edições, (em Lisboa no CCB e na Biblioteca Nacional de Portugal), a
mesma esteve já em exibição em várias dezenas de cidades e vilas portuguesas,
tendo sido visitada por mais de 224 000 pessoas, muitas das quais participaram
ativamente.
Hans Christian Andersen nascido em 2 de abril de 1805
em Odense, na Dinamarca, filho de pai sapateiro e mãe lavadeira, é autor de uma
centena e meia de Contos para crianças e adultos, poeta-artista, romancista,
dramaturgo e narrador de viagens.
Hans Christian Andersen visitou Portugal em 1866 a convite
da família O'Neill, cuja amizade terá sido alimentada nos bancos da escola em
Copenhaga.
Durante a sua estadia de cerca de dois meses em Portugal (
mais de metade dos quais passados em Setúbal, hospedado na Quinta dos
Bonecos, então propriedade da família O´Neill) regista as suas impressões
sobre várias cidades portuguesas (Lisboa, Setúbal, Palmela, etc.)
fazendo grandes elogios à sua paisagem.
A partida é marcada para depois do Natal, após ter recebido carta de O’Neill que lhe assegura não haver qualquer caso de cólera no país e lhe envia «odorosas violetas de Portugal, como saudação da Primavera, que o espera em Lisboa».
Finalmente parte de Copenhaga em Janeiro de 1866, viaja por Hamburgo, Hanôver, Amesterdão, Antuérpia, Bruxelas e demora-se em Paris até 30 de Abril. Parte de caminho de ferro para Espanha, mas a capital espanhola não o entusiasma como da primeira vez.
A linha de caminho de ferro para Lisboa não estava completa. Havia que fazer uma parte da viagem em mala-posta. A viagem em mala-posta até Mérida é esgotante. Melhor instalado no comboio, atravessa a fronteira portuguesa, constatando a diversidade da paisagem natural e humana.
Faz excursões, vai ver «um palácio com grandes jardins, pertencente ao filho dum rico banqueiro», certamente do Conde de Farrobo então em ruínas, admira o solar e jardins do Marquês da Fronteiraque o recebe, apresentado por O'Neill, ouve cantar as freiras num convento (Odivelas?), percorre as áleas do cemitério do Alto de S. João, dá um passeio de carruagem nas cercanias de Lisboa.
Na sequência das suas impressões sobre esta viagem, Hans
Christian Andersen publicou o livro intitulado “Uma Visita a Portugal em
1866”.Este livro foi traduzido do dinamarquês pelo setubalense
João José Pereira da Silva Duarte, que também traduziu muitos contos de
Andersen.
Eis algumas das suas impressões sobre esta viagem:
«Que transição, ao entrar em Portugal, vindo de Espanha ! Era como sair da Idade Média para entrar no Presente».
"O sol brilhava no céu claro e sobre as águas
tranquilas. Em frente erguia-se Lisboa
nas suas soberbas colinas, como uma monumental ampliação fotográfica. À medida
que nos afastávamos, evidenciavam-se os recortes como vagas enormes de casas e
palácios.[…]".
As janelas do meu quarto dão precisamente para [...] uma
parte do vale de Alcântara, sobre o qual, de construção arrojada e
grandiosa, com arcos de altura vertiginosa, se estende o grande aqueduto: “Os
Arcos das Águas Livres”. [...]
«Nos diversos cambiantes de luz, quando as nuvens suspendiam
o seu véu de chuva sobre a terra, quando o sol luzia num céu límpido, ao
entardecer, quando o matiz brilhante do arco-íris se espelhava no céu, como
ainda iluminado pelo luar, o aqueduto era uma imagem majestosa e
imponente que dominava toda a paisagem».
Deslumbra-se com a magnificência da floração no jardim, e
pela primeira vez na Visita (como adiante nos momentos de exaltação),
transborda em poesia:
«Como tem este país todos os encantos !
Da Dinamarca, a terra, as searas, os verdes campos,
O cacto, a oliveira, no Sul abundante,
Ares tão puros, raios de sol brilhantes.»
Diferente é a realidade da imagem que formara de Lisboa
pelas descrições que lera. «Mais luminosa e bela» é essa realidade. «Onde estão
as ruas sujas que vira descritas, as carcaças abandonadas, os cães ferozes e as
figuras de miseráveis das possessões africanas que, de barbas brancas e pele
tisnada, com terríveis doenças, por aqui se deviam arrastar ?» Nada disso. As
ruas são «largas e limpas», as casas «confortáveis com as paredes cobertas com azulejos
brilhantes de desenhos azuis sobre branco» e as portas e janelas de sacada
«são pintadas a verde ou a vermelho, duas cores que se vêem por toda a parte,
mesmo nos barris dos aguadeiros». Há vida e movimento.
No dia do Corpo Santo, «que ainda se festeja com grande
pompa na capital portuguesa», caíram fortes chuvas e a procissão por mais duma
vez se desordenou.
Contudo, pôde aí ver o rei D. Luís. «Era um belo jovem,
muito louro, com um rosto especialmente doce, vestido de veludo e seda».
«Os candeeiros de gás nas ruas brilhavam, as lojas estavam
iluminadas e pessoas dirigiam-se para o teatro de D. Maria II, na praça vasta e
bela».
«Passámos pelo Passeio Público. Luzes brilhavam lá dentro,
por entre as árvores verdes e odorosas. Chegava até nós o som da música.»
Setúbal - Através da pena
sublime de Andersen percorremos a Setúbal do século XIX e os arredores.
«Que
profusão de cores e variedade de flores ! Até mesmo das fendas dos muros,
desabrochavam cravos e cactos que no Norte só poderiam ter sido criados em
estufas». Mas o calor atormenta-o : «De dia, só se podia andar cá fora sob a
sombra das árvores de espessa folhagem, ou se se queria ir a qualquer parte
onde incidia o sol, havia que caminhar vagarosamente e a coberto dum guarda-sol
branco».
«De
manhã e à noitinha era, porém, um prazer passear, com o ar calmo e fresco.
Sentia uma paz, uma tranquilidade que desejaria comunicar a todos os homens. No
laranjal anoitecia cedo. As sombras instalavam-se por entre as árvores, cujas
folhas formavam como que um enorme tecido de veludo, no qual se fixavam
pirilampos maravilhosamente cintilantes. Brilhavam luzes nas casa brancas de
Setúbal(…). Toda uma beleza que não podia ser reproduzida por pintura nem
revelada por palavras.» «Mas que panorama, à medida que íamos subindo. Lá no
fundo, os laranjais ao redor de Setúbal, o oceano, toda a baía e o rio Sado
serpenteando.”
A majestosa natureza era como «a nave duma igreja no mundo
grandioso e estranho de Deus». Ao regressar, com a pele ardente do sol e os
membros fatigados, mas maravilhado, Andersen repousa no frescor da noite e todo
se entrega à beleza que o cerca. «Como é bela a noite, amena e refrescante / E
as estrelas de grandeza e brilho tais». E recordando-se que em breve terá de
voltar à sua Dinamarca, escreve estes «versinhos» no livro da família O’Neill :
«Lá
no plano Norte verdejante,
Recordando todas as impressões vividas
Para Setúbal voará o pensamento distante
Para junto de todas as pessoas queridas».
«Setúbal
é mais bela vista da baía. Daí se vê a cidade em toda extensão, com as suas
casas um tanto descaídas. [...]»
«Nuvens solitárias pairavam, carregadas, sobre a Serra da
Arrábida, lançando sombras em baixo, no vale fundo. Quanto mais alto subíamos,
mais alto se elevava no horizonte o vasto mar. Toda a natureza era de uma
gravidade, de uma tranquilidade, imperturbada por qualquer ave. [...] »
A região de Aveiro é uma «Holanda portuguesa, alagada e
plana, com canais abertos, mas falta-lhe o viço e a frescura deste país». O céu
está cinzento e cobre a cidade espessa neblina, que o leva a crer-se «lá em
cima, no Norte, e não no belo e quente Portugal». Observa aí «os primeiros
belos rostos de mulher em Portugal», deve confessar em a Visita.
«Em Aveiro está-se perfeitamente
numa Holanda Portuguesa, alagada e plana, com
canais abertos, mas falta-lhe o viço e a frescura deste país. [...]»
Coimbra eleva-se «como todo um ramo de esplendorosas flores»
e é «a mais bela e interessante cidade que até então viu no país»
«Coimbra
é uma cidade que se deve visitar não apenas por uns dias mas durante algumas
semanas, convivendo com os estudantes, procurando o ar livre e a bela natureza,
isolando-se e deixando que na memória se desenrolem lendas e canções,
recordando a história da cidade».
«Diz-se que todo o estrangeiro poderá encontrar em Sintra um
pedaço da sua pátria. Eu descobri aí a Dinamarca. Mas julguei reencontrar
muitos pedaços queridos de outras belas terras...». Ao Palácio da Vila falta
inteiramente beleza com as «duas chaminés acopuladas que mais parecem garrafas
de champanhe». Mas «diferente, mais belo e pitoresco» é «o palácio de Verão de
D. Fernando».
«Todo o caminho da serra é um jardim, onde a natureza e arte
maravilhosamente se combinam, o mais belo passeio que se pode imaginar».
Monserrate, «verdadeira vinheta das Mil e Uma Noites, uma visão de conto
de fadas»
A mais
bela e decantada parte de Portugal é a inigualável Sintra. “O novo paraíso”,
denominou-a Byron. “Aqui a Primavera tem o seu trono”, assim a cantou o poeta
português Garrett. [...]