Vergílio Ferreira (1916 - 1996)
Assinalou-se no dia 28 de janeiro o
centenário do nascimento de Vergílio Ferreira, o autor de uma das obras
ficcionais mais importantes e singulares do século XX, mas também um notável
ensaísta e diarista.
Na Praia da Rocha
em 1955
Enquanto ficcionista, Vergílio Ferreira
estreou-se com romances ainda enquadrados num neo-realismo então dominante na
ficção portuguesa, mas a partir do início dos anos 50 rompe com essa sua
primeira família, e obras como Manhã Submersa
(1954), adaptada ao cinema por Lauro António, ou Aparição (1959) assumem já uma perspectiva existencialista, bebida
em Dostoievski, Sartre ou Malraux — o próprio Vergílio Ferreira dizia que Eça
de Queirós o ensinou a escrever e o autor de A Condição Humana o
ensinou a pensar —, mas também em filósofos
como Karl Jaspers ou Martin Heidegger.
Se os seus romances de ideias — com
personagens que discutem a missão da arte, a função do intelectual ou as
grandes questões com que se debate uma condição humana desapossada de Deus — o
tornam um caso à parte na ficção portuguesa, é ainda mais invulgar o modo como
essa dimensão reflexiva, pensante, se cruza com uma escrita de forte dimensão
poética. É precisamente esta prosa, ao mesmo tempo lírica e filosófica, que torna Vergílio Ferreira um caso único no
panorama português.
Para Jorge Lopes, um estudioso do escritor,
a obra que mais exemplarmente ilustra essa espessura lírica da ficção
vergiliana é Para Sempre (1983): “Aquilo
é, quase linha a linha, prosa poética”.
Uma obra profícua
Ficção
1943
| O Caminho fica Longe
1944
| Onde Tudo foi Morrendo
1946
| Vagão “J”
1949
| Mudança
1953
| A Face Sangrenta
1953
| Manhã Submersa
1959
| Aparição
1960
| Cântico Final
1962
| Estrela Polar
1963 | Apelo da Noite
1965
| Alegria Breve
1971
| Nítido Nulo
1972
| Apenas Homens
1974
| Rápida, a Sombra
1976
| Contos
1979
| Signo Sinal
1983
| Para Sempre
1986
| Uma Esplanada Sobre o Mar
1987
| Até ao Fim
1990
| Em Nome da Terra
1993
| Na Tua Face
1996
| Cartas a Sandra
Ensaios
1942
| Teria Camões lido Platão?
1943
| Sobre o Humorismo de Eça de Queirós
1957
| Do Mundo Original
1958
| Carta ao Futuro
1963
| Da Fenomenologia a Sartre
1963
| Interrogação ao Destino, Malraux
1965
| Espaço do Invisível I
1969
| Invocação ao Meu Corpo
1976
| Espaço do Invisível II
1977
| Espaço do Invisível III
1981
| Um Escritor Apresenta-se
1987
| Espaço do Invisível IV
1988
| Arte Tempo
Diários
1980
| Conta-Corrente I
1981
| Conta-Corrente II
1983
| Conta-Corrente III
1986
| Conta-Corrente IV
1987
| Conta-Corrente V
1992
| Pensar
1993
| Conta-Corrente-nova série I
1993
| Conta-Corrente-nova série II
1994
| Conta-Corrente-nova série III
1994
| Conta-Corrente-nova série IV
Um continuador
improvável
Se a obra literária de Vergílio Ferreira
continua hoje a suscitar diferentes leituras, o que parece reunir consenso é a
ideia de que não teve nem precursores óbvios nem verdadeiros continuadores na
ficção portuguesa, não obstante a sua confessada admiração por Eça de Queirós e
Raul Brandão. Num texto de 1978, Eduardo Lourenço sugere que o romancista se
vai afastando de Eça “sem o perder de vista” e se vai aproximando do
expressionismo de Raul Brandão “sem jamais aceitar a sua caoticidade
visionária”.
Professor durante quase toda a vida, dotado
de uma invejável bagagem literária e filosófica, autor recorrente de máximas,
aforismos e reflexões que muitas vezes assumiam a forma de recomendações
pedagógicas, tinha todas as características de um mestre, mas um mestre que,
enquanto artista, não teve discípulos. Muitos autores mais novos o admiraram, e
ele próprio apadrinhou alguns, como Lídia Jorge ou Almeida Faria, mas todos
acabaram por seguir caminhos muito diversos do seu. Quando muito, adivinham-se algumas
“homenagens”, como a que Valter Hugo Mãe parece querer prestar, no seu romance A Máquina de Fazer Espanhóis, a Em Nome da Terra. A excepção (que talvez não o seja) a este consenso vem
do ensaísta Luís Mourão, que admite que Vergílio Ferreira possa mesmo ter um
improvável continuador num romancista - Gonçalo
M. Tavares.
No Liceu Camões em Lisboa
(1981)