segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Vergílio Ferreira  (1916 - 1996)





Assinalou-se no dia 28 de janeiro o centenário do nascimento de Vergílio Ferreira, o autor de uma das obras ficcionais mais importantes e singulares do século XX, mas também um notável ensaísta e diarista. 


Na Praia da Rocha em 1955 

Enquanto ficcionista, Vergílio Ferreira estreou-se com romances ainda enquadrados num neo-realismo então dominante na ficção portuguesa, mas a partir do início dos anos 50 rompe com essa sua primeira família, e obras como Manhã Submersa (1954), adaptada ao cinema por Lauro António, ou Aparição (1959) assumem já uma perspectiva existencialista, bebida em Dostoievski, Sartre ou Malraux — o próprio Vergílio Ferreira dizia que Eça de Queirós o ensinou a escrever e o autor de A Condição Humana o ensinou a pensar —, mas também  em filósofos como Karl Jaspers ou Martin Heidegger.
Se os seus romances de ideias — com personagens que discutem a missão da arte, a função do intelectual ou as grandes questões com que se debate uma condição humana desapossada de Deus — o tornam um caso à parte na ficção portuguesa, é ainda mais invulgar o modo como essa dimensão reflexiva, pensante, se cruza com uma escrita de forte dimensão poética. É precisamente esta prosa, ao mesmo tempo lírica e filosófica,  que torna Vergílio Ferreira um caso único no panorama português.
Para Jorge Lopes, um estudioso do escritor, a obra que mais exemplarmente ilustra essa espessura lírica da ficção vergiliana é Para Sempre (1983): “Aquilo é, quase linha a linha, prosa poética”.


 Junto ao Seminário do Fundão com o realizador Lauro António em 1978

Uma obra profícua


















 Ficção
1943 | O Caminho fica Longe                           
1944 | Onde Tudo foi Morrendo
1946 | Vagão “J”                                                 
1949 | Mudança
1953 | A Face Sangrenta                                   
1953 | Manhã Submersa
1959 | Aparição                                                  
1960 | Cântico Final
1962 | Estrela Polar                                           
 1963 | Apelo da Noite
1965 | Alegria Breve
1971 | Nítido Nulo
1972 | Apenas Homens
1974 | Rápida, a Sombra
1976 | Contos
1979 | Signo Sinal
1983 | Para Sempre
1986 | Uma Esplanada Sobre o Mar
1987 | Até ao Fim
1990 | Em Nome da Terra
1993 | Na Tua Face
1996 | Cartas a Sandra

Ensaios
1942 | Teria Camões lido Platão?
1943 | Sobre o Humorismo de Eça de Queirós
1957 | Do Mundo Original
1958 | Carta ao Futuro
1963 | Da Fenomenologia a Sartre
1963 | Interrogação ao Destino, Malraux
1965 | Espaço do Invisível I
1969 | Invocação ao Meu Corpo
1976 | Espaço do Invisível II
1977 | Espaço do Invisível III
1981 | Um Escritor Apresenta-se
1987 | Espaço do Invisível IV
1988 | Arte Tempo



Diários
1980 | Conta-Corrente I
1981 | Conta-Corrente II
1983 | Conta-Corrente III
1986 | Conta-Corrente IV
1987 | Conta-Corrente V
1992 | Pensar
1993 | Conta-Corrente-nova série I
1993 | Conta-Corrente-nova série II
1994 | Conta-Corrente-nova série III
1994 | Conta-Corrente-nova série IV

Um continuador improvável

Se a obra literária de Vergílio Ferreira continua hoje a suscitar diferentes leituras, o que parece reunir consenso é a ideia de que não teve nem precursores óbvios nem verdadeiros continuadores na ficção portuguesa, não obstante a sua confessada admiração por Eça de Queirós e Raul Brandão. Num texto de 1978, Eduardo Lourenço sugere que o romancista se vai afastando de Eça “sem o perder de vista” e se vai aproximando do expressionismo de Raul Brandão “sem jamais aceitar a sua caoticidade visionária”.
Professor durante quase toda a vida, dotado de uma invejável bagagem literária e filosófica, autor recorrente de máximas, aforismos e reflexões que muitas vezes assumiam a forma de recomendações pedagógicas, tinha todas as características de um mestre, mas um mestre que, enquanto artista, não teve discípulos. Muitos autores mais novos o admiraram, e ele próprio apadrinhou alguns, como Lídia Jorge ou Almeida Faria, mas todos acabaram por seguir caminhos muito diversos do seu. Quando muito, adivinham-se algumas “homenagens”, como a que Valter Hugo Mãe parece querer prestar, no seu romance A Máquina de Fazer Espanhóis, a Em Nome da Terra. A excepção (que talvez não o seja) a este consenso vem do ensaísta Luís Mourão, que admite que Vergílio Ferreira possa mesmo ter um improvável continuador num romancista  - Gonçalo M. Tavares.



No Liceu Camões em Lisboa (1981)