terça-feira, 23 de abril de 2019

No centenário do nascimento de Fernando Namora ( 1919-1989)

Fernando Gonçalves Namora ( Condeixa-a-Nova, 15 de abril de 1919 - Lisboa, 31 de janeiro de 1989) foi um médico e escritor português, autor duma extensa obra, das mais divulgadas e traduzidas nos anos 70 e 80. 
Licenciado em Medicina pela Universidade de Coimbra, pertenceu à geração de 40, grupo literário que reuniu personalidades marcantes como Carlos de Oliveira, Mário Dionísio, Joaquim Namorado ou João José Cochofel.  
O seu volume de estreia foi Relevos (1937), livro de poesia. Mas já publicara em conjunto com Carlos de Oliveira e Artur Varela, um pequeno livro de contos Cabeças de Barro. Em 1938 surge o seu primeiro romance As Sete Partidas do Mundo que viria a ser galardoado com o Prémio Almeida Garrett no mesmo ano em que recebe o Prémio Mestre António Augusto Gonçalves, de artes plásticas - na categoria de pintura. Ainda estudante e com outros companheiros de geração funda a revista Altitude e envolve-se activamente no projecto do Novo Cancioneiro ( 1941), colecção poética de 10 volumes que se inicia com o seu livro-poema Terra.  
Com uma obra literária que se desenvolve ao longo de cinco décadas é de salientar a sua precoce vocação artística, de feição naturalista e poética, tal como a importância do período de formação em Coimbra, mais as suas tertúlias e movimentos estudantis. Os muitos textos que escreveu, nos diferentes momentos ou fases da vida literária, apresentam retratos com aspectos de picaresco, observações naturalistas e algum existencialismo. Independentemente do enquadramento, Namora foi um escritor dotado de uma profunda capacidade de análise psicológica, inseparável de uma grande sensibilidade e linguagem poética. Escreveu, para além de obras de poesia e romances, contos, memórias e impressões de viagem.




 Entre os muitos títulos que publica em prosa contam-se Fogo na noite escura ( 1943) , Casa da Malta ( 1945), As minas de S. Francisco ( 1946), Retalhos da Vida de um Médico (1949 e 1963), A Noite e a Madrugada ( 1950) O Trigo e o Joio ( 1954), O Homem disfarçado ( 1957) Domingo à Tarde ( 1961, Prémio José Lins do Rego), Os Clandestinos ( 1972), Resposta a Matilde ( 1980) e O Rio Triste ( 1982, Prémio Fernando Chinaglia, Prémio Fialho de Almeida e Prémio D. Dinis) e ainda as biografias romanceadas de Deuses e Demónios da Medicina (1952)  Publicou em poesia Mar de Sargaços ( 1940), Marketing ( 1969) e Nome para uma Casa ( 1984). Foram romances como os Retalhos da Vida de um Médico, O Trigo e o JoioDomingo à Tarde, O Homem Disfarçado ou O Rio Triste, que vieram a ser traduzidos em diversas línguas, tendo inclusive, em 1981, sido proposto para o Prémio Nobel da Literatura, pela Academia das Ciências de Lisboa e pelo PEN Clube.
Se quisermos contextualizar, sistematizar a sua obra em fases distintas de criação literária, podemos identificar: (1) o ciclo de juventude, principalmente enquanto estudante em Coimbra, coincidente com o livro-poema Terra e o romance Fogo na Noite Escura; (2) ciclo rural, entre 1943 e 1950, representado pelas novelas Casa da Malta (escrita em 8 dias) e Minas de San Francisco, ou pelos romances A Noite e a MadrugadaO Trigo e o Joio sem esquecer os Retalhos da Vida de um Médico, (3) ciclo urbano, coincidente com a sua vinda para Lisboa, marcado pela solidão e vivências do quotidiano, e que se terá reflectido no romance O Homem Disfarçado, em Cidade Solitária ou no Domingo à Tarde; (4) ciclo cosmopolita, ou seja, dos cadernos de um escritor, balizado no final dos anos 60 e década de 70, explicado pelas muitas viagens que fez, nomeadamente à Escandinávia, e pela sua participação nos encontros de Genebra;  5) ciclo final, entre a ficção contemporânea, onde se insere o romance O Rio Triste ou Resposta a Matilde, intitulado pelo próprio divertimento, e as reflexões íntimas de Jornal sem Data( 1988).
Sendo talvez uma das suas obras mais conhecidas,  Retalhos da Vida de um Médico, foi a primeira a ser adaptada ao cinema, por intermédio do realizador Jorge Brum do Canto (em 1962, filme seleccionado para o Festival de Berlim),  seguindo-se a série televisiva, da responsabilidade de Artur Ramos e Jaime Silva (1979-1980).
Trigo e o Joio foi adaptado para o cinema em 1965, por Manuel Guimarães, com Manuel da Fonseca. Do mesmo realizador, para televisão e em 1969, tem-se Fernando Namora. Domingo à Tarde (seleccionado para o Festival de Veneza), foi realizado por António de Macedo em 1965.  Em 1975, surge Fernando Namora – Vida e Obra realizado por Sérgio Ferreira. Também em 1975 Namora colaborou na publicação periódica Jornal do Caso República  (1975). A Noite e a Madrugada, de 1985 deve a sua realização a Artur Ramos. Resposta a Matilde, de 1986 foi adaptado  a televisão por Dinis Machado e Artur Ramos. Em 1990 regista-se O Rapaz do Tambor, curta metragem de Vítor Silva.  


Casa-Museu de Fernando Namora


Ali, a dois passos da Vila, o Rio de Mouros. Nasceu de um fio de água, do suor de uma rocha, entre urzes e montes. Ainda a meio da serra, é um ribeirito que não dá para matar a sede a um rebanho. Mas depois, a terra começa, subitamente, a ficar brava, com penedos que têm o ar de montanhas, e o rio despenha-se entre os silvais e as fragas em som e espuma, com um fragor que, de Inverno, com as cheias, estremece os ouvidos da serra e dos homens. – texto de 1941. 
É possível visitar a casa onde Fernando Namora nasceu, e onde os seus pais abriram um pequeno estabelecimento comercial, situada no centro da vila de Condeixa-a-Nova, distrito de Coimbra. 
Inaugurada em 30 de Junho de 1990, esta iniciativa resultou da ideia de um grupo de amigos, seus conterrâneos, que quiseram homenageá-lo através da proposta da criação de uma Casa-Museu, de modo a recordar a todos, e nas palavras do Sr. Ramiro de Oliveira, que é Condeixense e que aqui viveu a sua infância e parte da mocidade. 
Aberta ao público desde então, nela se pode encontrar o seu escritório, tal qual estava em Lisboa, com todos os seus livros e objectos pessoais, e que acabou por ser o destino do que fui acumulando ao longo dos anos, coisas minhas, coisas do que vi e vivi e ainda valiosas coisas alheias que de algum modo se relacionam comigo. - carta de 7 de junho de 1984.