segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Afinal o muro escondia muito mais...



20 anos da queda do Muro de Berlim
O fim da "grande batota" estatal imposta aos atletas



Com a queda do Muro de Berlim desmoronou-se também o doping de Estado, organizado e científico, massificado, que elevara a RDA (República Democrática Alemã) a uma das maiores potências desportivas mundiais, equiparada aos “gigantes” tradicionais, que eram os EUA (Estados Unidos da América) e a URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas).
Vinte anos depois do Outono em que o Muro foi derrubado, a força do Desporto germânico, juntando a Alemanha Oriental e a Alemanha Ocidental, não tem o “peso” da soma dos países que se juntaram na reunificação alemã, estando apenas em linha com os resultados que a RFA (República Federal Alemã) então conseguia.
Nos Jogos Olímpicos de Seul’88 - um ano antes da queda do Muro -, a RDA conquistava 102 medalhas e a RFA 40, somando ambas 142. Em Barcelona’92 a Alemanha unificada “descia” para 82 e em Pequim 2008 para 41.
Ou seja, toda a “herança desportiva” da RDA desaparecia e a “aberração” que era um pequeno país de 16 milhões de habitantes ter resultados ao nível dos maiores do Mundo passava a fazer parte da História do Desporto, sobretudo no capítulo do doping.
O “milagre” dos resultados da RDA foi construído ao mais alto nível pelo regime comunista e teve mesmo um nome de código, o Plano 14-25, envolvendo na sua execução a imensa rede da polícia política, a Stasi. Toda a estrutura política e científica trabalhou para o seu sucesso, desde meados dos anos 60 até 1989.
A ideia foi-se desenvolvendo na década de 60 - chegar aos Jogos Olímpicos de Munique’72 e derrotar a RFA, tornando os atletas verdadeiros “diplomatas de fato-de-treino” de um regime que procurava o reconhecimento mundial.
Os sucessos desses primeiros anos, nomeadamente na natação, levaram à institucionalização completa do doping na RDA, abarcando todos os atletas de elite que pudessem assegurar bons resultados internacionais, qualquer que fosse a modalidade.
Calcula-se que perto de 15 mil desportistas foram assim dopados na RDA, a maioria sem saber o que realmente estava a tomar, nem tão pouco os tremendos efeitos que isso ia provocar nos seus organismos.
No centro do programa estava a famacêutica VEB Jenapharm, de Iena, que produziu o Oral-Turinabol, o esteróide androgénico-anabólico que “revolucionou” o desporto feminino na década de 70. De aparência vulgar - simples comprimidos azuis -, era apresentado às jovens desportistas como suplemento alimentar, ou vitaminas, com a conivência dos treinadores.
Durante aproximadamente vinte anos, entre México’68 e Seul’88, o Mundo assistiu a sucessivas vitórias da RDA, tanto nos desportos colectivos como nas mais simbólicas modalidade olímpicas, como são a natação e o atletismo.
Foram 519 medalhas, das quais 192 de ouro - uma verdadeira máquina de conquistar medalhas, que cada vez mais deixava no ar a suspeição de um bem organizado esquema de dopagem.
Sabe-se agora que o mecanismo estava tão bem “oleado” que em vésperas de grandes competições era a própria RDA que testava os seus atletas, para saber quem poderia dar “positivo”. Esses, eram “convidados” a ficar em casa e apenas viajava quem estava em condições de ter testes “limpos”, numa época em que o controle era uma “pálida imagem” do que é hoje.
À medida que as “Wundermadchen”, as meninas-maravilha da natação envelheciam, a factura física apresentava-se, brutal. Esterilidade e impotência, cancro, insuficiência cardíaca ou hepática eram exemplos dos problemas dessas mulheres, todas elas altamente masculinizadas.
Algumas das campeãs da RDA foram negando terem sido vítimas desse doping de Estado, mas apareceram, em catadupa, os testemunhos, sendo o mais conhecido o de Rica Reinisch, tripla campeã olímpica.
No atletismo, o caso mais emblemático é Heidi Krieger, uma lançadora de peso a quem foram dadas doses sobre-humanas de testosterona - chegando ser-lhe administrado o dobro da quantidade do que um homem produz em 29 semanas.
Hoje, Krieger, campeã europeia dois anos antes da queda do Muro, chama-se Andreas (na foto), após mudança de sexo, e casou-se com uma antiga nadadora alemã, igualmente vítima do Plano 14-25.
E até há quem tenha conseguido retirar o seu nome da lista de recordes, como a velocista Ines Geipel, autora do livro “Jogos Perdidos”, feito a propósito das investigações públicas que foram feitas na Alemanha, já este século, e levaram à acusação do antigo ministro dos Desportos e do então director de Medicina Desportiva da RDA. Krieger, Reinisch e Geipel estão entre as 193 vítimas formalmente reconhecidas pelas autoridades alemãs. Uma pequena “gota” face ao total calculado, que será 50 vezes superior a esse número, com lesões em maior ou menor grau, tanto no corpo como na mente.
FB. Lusa

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